Relógio

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Realismo em Portugal

realismo[1]

O Realismo na Literatura surge em Portugal após 1865, devido à Questão Coimbrã e às Conferências do Casino, como resposta à artificialidade, formalidade e aos exageros do Romantismo de uma sentimentalidade mórbida. Eça de Queirós é apontado, junto a Antero de Quental, como o autor que introduz este movimento no país, sendo o romance social, psicológico e de tese a principal forma de expressão. Deixa de ser apenas distracção e torna-se meio de crítica a instituições, à hipocrisia burguesa (avareza, inveja, usura), à vida urbana (tensões sociais, económicas, políticas) à religião e à sociedade, interessando-se pela análise social, pela representação da realidade circundante, do sofrimento, da corrupção e do vício. A escravatura, o racismo e a sexualidade são retratados com uma linguagem clara e directa.

A Génese do Realismo em Portugal

O primeiro aparecimento do Realismo em Portugal deu-se na Questão Coimbrã. Polémica esta que significou, nas palavras de Teófilo Braga “a dissolução do Romantismo”, nela se manifestaram pela primeira vez as novas ideias e o novo gosto de uma geração que reagia contra o marasmo em que tinha caído o Romantismo.

O segundo episódio do aparecimento do Realismo verificou-se em 1871 nas Conferências do Casino (ou Conferências Democráticas do Casino). Nesta nova manifestação da chamada Geração de 70 os contornos do que seria o Realismo apareceram desenhados com maior nitidez. Especialmente através da conferência realizada por Eça de Queirós intitulada O realismo como nova expressão da arte. Sob a influência do Cenáculo, e da sua figura central Antero de Quental, Eça funde as teorias de Taine, do determinismo social e da hereditariedade com as posições estético-sociais de Proudhon. Atacando o estado das letras nacionais e propondo uma nova arte, uma arte revolucionária, que respondesse ao "espírito dos tempos" (zeitgeist), uma arte que agisse como regeneradora da consciência social, que pintasse o real sem floreados. Para Eça só uma arte que mostrasse efectivamente como era a Realidade, mesmo que isso implicasse entrar em campos sórdidos, poderia fazer um diagnóstico do meio social, com vista à sua cura. Assim reagia contra o espírito da arte pela arte, visando mostrar os problemas morais e assim contribuir para aperfeiçoar a Humanidade. Com este cientismo Eça de Queirós já situava o Realismo na sua posição extrema de Naturalismo.

Reacções: Pinheiro Chagas atacou Eça. Luciano Cordeiro argumentou que ele próprio já tinha defendido posições parecidas

A implantação efectiva do Realismo dá-se com a publicação do O Crime do Padre Amaro, seguida dois anos mais tarde pelo Primo Basílio, obras ambas de Eça, que são caracterizadas por métodos de narração e descrição baseados numa minuciosa observação e análise dos tipos sociais, físicos e psicológicos, aparecendo os factores como o meio, a educação e a hereditariedade a determinarem o carácter moral das personagens. São romances que têm afinidade com os de Émile Zola, com o intuito de crítica de costumes e de reforma social.

O primeiro destes romances foi acolhido pelos críticos de então com um silêncio generalizado. O segundo provocou escândalo aberto. E a polémica e a oposição entre Realismo e Romantismo estala definitivamente. Pinheiro Chagas ataca Eça considerando-o antipatriota, pelo modo como apresenta a sociedade portuguesa. Chegaram a aparecer panfletos acusando os realistas de desmoralização das famílias (Carlos Alberto Freire de Andrade: A escola realista, opúsculo oferecido às mães).

Camilo Castelo Branco vai parodiar o Realismo com Eusébio Macário(1879) e voltando a parodiar com A Corja (1880). Mas curiosamente, mesmo através da paródia, Camilo vai absorver a nova escola, como é nítido na novela A Brasileira de Prazins. (1882).

Entretanto o paladino do Realismo, Eça, vai desorientar os seus seguidores ortodoxos com a publicação de O Mandarim. O que faz com que Silva Pinto (1848-1911) que tinha exposto a teoria da escola realista e elogiado Eça num panfleto intitulado Do Realismo na Arte, vai agora atacar Eça em Realismos, ridicularizando o novo estilo deste. Reis Dâmaso, na Revista de Estudos Livres vai-se insurgir contra a publicação de O Mandarim acusando Eça de ter atraiçoado o movimento. Estas acusações não eram infundadas porque de facto Eça já estava a descolar de um realismo ortodoxo para o seu estilo mais pessoal onde o seu humor e a sua fantasia se aliam num estilo único.

Desde a implantação do Realismo com a conferência de Eça que o movimento logrou um núcleo de apoiantes que se desmultiplicaram em explicar e defender o seu credo estético. esse núcleo resvalou, regra geral, para uma posição mais extremadamente Realista, o Naturalismo, tornando-se ortodoxos e dogmáticos. Os defensores desta posição são José António dos Reis Dâmaso (1850-1895) e Júlio Lourenço Pinto (1842-1907) autor da Estética naturalista, que pretendia ser um evangelho do naturalismo. No entanto estes dois autores são fracos do ponto de vista literário e totalmente esquecidos hoje em dia.

Aqueles que não enveredaram por posições tão rígidas estão menos esquecidos como Luís de Magalhães que nos deixou O Brasileiro Soares (1886) que foi prefaciado por Eça. Outros nomes são Trindade Coelho, Fialho de Almeida e Teixeira de Queiroz.

Por volta de 1890 o Realismo/Naturalismo tinha perdido o seu ímpeto em Portugal. Em 1893 o próprio Eça o declarava morto nas Notas Contemporâneas: “o homem experimental, de observação positiva, todo estabelecido sobre documentos, findou (se é que jamais existiu, a não ser em teoria)

Balanço do Realismo em Portugal

Embora por vezes doutrinariamente fraco e/ou confuso o Realismo em Portugal apresenta-se por isso mesmo, mais do que um movimento consistente, como uma tendência estética, um sentir novo, que se opôs ao Idealismo e ao Romantismo. A sua consequência mais importante foi a introdução em Portugal às influências estrangeiras nos vários domínios do saber. Alargando as escolhas literárias e renovando um meio literário que estava muito fechado sobre si mesmo.

Questão Coimbrã

eca-de-queiroz-12[1]Questão Coimbrã foi o primei ro sinal de renovação ideológica do século XIX entre os defensores do statu quo, desactualizados em relação à cultura europeia, e um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, que tinham assimilado as ideias novas.

Castilho tornara-se um padrinho oficial dos escritores mais novos, tais como Ernesto Biester, Tomás Ribeiro ou Manuel Joaquim Pinheiro Chagas. Dispunha de influência e relações que lhe permitiam facilitar a vida literária a muitos estreantes, serviço que estes lhe pagavam em elogios.

Em redor de Castilho formou-se assim um grupo em que o academismo e o formalismo vazio das produções literárias correspondia à hipocrisia das relações humanas, e em que todo o realismo desaparecia, grupo que Antero de Quental chamaria de «escola de elogio mútuo». Em 1865, solicitado a apadrinhar com um posfácio o Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas, Castilho aproveitou a ocasião para, sob a forma de uma Carta ao Editor António Maria Pereira, censurar um grupo de jovens de Coimbra, que acusava de exibicionismo, de obscuridade propositada e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia, acusava-os de ter também falta de bom senso e de bom gosto. Os escritores mencionados eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras; Antero de Quental, que então publicara as Odes Modernas, e um escritor em prosa, Vieira de Castro, o único que Castilho distinguia.

Antero de Quental respondeu com uma Carta com o titulo "Bom senso e bom gosto" a Castilho, que saiu em folheto. Nela defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da missão dos poetas da época de grandes transformações em curso e a necessidade de eles serem os arautos dos grandes problemas ideológicos da actualidade, e metia a ridículo a futilidade e insignificância da poesia de Castilho.

Ao mesmo tempo, Teófilo Braga solidarizava-se com Antero no folheto Teocracias Literárias, no qual afirmava que Castilho devia a celebridade à circunstância de ser cego. Pouco depois Antero desenvolvia as ideias já expostas na Carta a Castilho no folheto A Dignidade das Letras e Literaturas Oficiais, evidenciando a necessidade de criar uma literatura que estivesse à altura de tratar os temas mais importantes da actualidade. Seguiram-se intervenções de uma parte e de outra, em que o problema levantado por Antero ficou esquecido. Provocou grande celeuma o tom irreverente com que Antero se dirigiu aos cabelos brancos do velho escritor, e a referência de Teófilo à cegueira dele.

Foi isto o que mais impressionou Ramalho Ortigão, que num opúsculo intitulado A Literatura de Hoje, 1866, censurava aos rapazes as suas inconveniências, ao mesmo tempo que afirmava não saber o que realmente estava em discussão. Este opúsculo deu lugar a um duelo do autor com Antero. Mas outro escrito, este de Camilo Castelo Branco, favorável a Castilho — Vaidades Irritadas e Irritantes — não suscitou reacções. Na realidade nada foi acrescentado aos dois folhetos de Antero durante os longos meses que a polémica durou ainda. Eça de Queiroz, em O crime do padre Amaro, de forma implícita, toma parte dos jovens literários.

Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense

antero08[1] Série de conferências - também conhecidas simplesmente por Conferências do Casino - levadas a público em 1871, em Lisboa, por iniciativa do chamado grupo do Cenáculo, de que faziam parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Jaime Batalha Reis, Salomão Sáragga, Manuel Arriaga e Guerra Junqueiro. Este é o ponto mais alto da Geração de 70. Visavam abrir um debate sobre o que de mais moderno, a nível de pensamento, se vinha fazendo lá fora. Aproximar Portugal da Europa era o objectivo máximo, anunciado, aliás, no respectivo programa.


O programa das Conferências, que surgiam como uma espécie de consequência natural das discussões ideológicas travadas no Cenáculo, anunciava "ligar Portugal com o movimento moderno", "agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência Moderna" e "estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa".


A conferência inaugural, intitulada "O espírito das conferências", foi proferida por Antero de Quental, que afirmou a necessidade de regenerar Portugal "pela educação da inteligência e pelo fortalecimento da consciência dos indivíduos". Na segunda conferência, o mesmo Antero analisou as "Causas da decadência dos povos peninsulares", que, na sua opinião, correspondiam ao catolicismo pós-tridentino, que impôs o obscurantismo à centralização política das monarquias absolutas, que determinou o aniquilamento das liberdades locais e individuais, e à política expansionista ultramarina, que impediu o desenvolvimento da pequena burguesia. A terceira conferência, intitulada "A literatura portuguesa", foi pronunciada por Augusto Soromenho, que denunciou a decadência da literatura portuguesa e defendeu a necessidade de "dar por base à educação a moral, o dever, do que aproveitará a literatura". A quarta conferência, "A Nova Literatura (O Realismo como nova expressão da Arte)", foi proferida por Eça de Queirós, que aí lançou os fundamentos da sua concepção de Realismo, influenciada por Flaubert, Proudhon e Taine. A quinta conferência coube a Adolfo Coelho, que avançou algumas propostas revolucionárias para a reorganização do ensino em Portugal, a mais importante das quais consistia na "separação completa do estado e da igreja".


As conferências foram interrompidas antes da sexta, que seria dita por Salomão Sáragga e que versaria sobre os críticos históricos de Jesus, por portaria ministerial do Marquês de Ávila e Bolama, onde se alegava que nas conferências se tinham sustentado "doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do estado". Os conferencistas reagiram contra a proibição com um protesto público, com o qual se solidarizaram vários intelectuais, como Alexandre Herculano, que acudiram em defesa da liberdade de expressão.


De qualquer modo, entre os intelectuais portugueses, ficou o gérmen da modernidade do pensamento político, social, pedagógico e científico que na França, na Alemanha e na Inglaterra se fazia sentir. Este espírito revolucionário e positivista dominava a maioria da jovem classe pensante.

Antero de Quental (1842 - 1891)

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Antero Tarqüínio de Quental nasceu a 18 de abril de 1842 em Ponta Delgada, no Açores.
Com dez anos foi para Lisboa completar o seus estudos. Aos 16 anos ingressou na Faculdade de Direito de Coimbra, onde tomou contato com as principais as idéias vigentes em toda a Europa e acabou se afastando dos valores conservadores e católicos herdados na infância.
Em 1864 publicou "Odes Modernas", obra que, junto com Visão dos Tempos" e "Tempestades Sonoras" de Teófilo Braga, é responsável por provocar a polêmica "Questão Coimbrã".
Em 1865 foi para Paris com intenção de por em prática as suas teorias socialistas.
Em 1871, após ver frustada essa tentativa, retorna a Portugal e passa a ser um dos líderes das Conferências Democráticas, que determinam o fim da "Questão Coimbrã", com a vitória dos jovens Realistas sobre os velhos Românticos.

A partir daí Antero de Quental dedica-se quase que exclusivamente à defesa dos ideais socialistas. Isso só muda 1873 quando seu pai falece e ele se vê forçado a retornar a Punta Delgada para assumir os negócios da família. Para aumentar ainda mais seus sofrimentos vê a violenta repressão às lutas operárias deitado de costas em uma cama, pois é atacado por uma estranha doença que o faz passar a maior parte nessa posição. Tudo isso vai, pouco a pouco, deixando-o muito deprimido e ele acaba se suicidando em 11 de setembro de 1891 com um tiro de revólver .


A produção poética de Antero de Quental está intimamente ligada a sua vida. Isso pode ser percebido claramente no livro "Sonetos", organizado pelo crítico literário Antônio Sérgio em oito partes. Na primeira delas, "da expressão lírica do amor-paixão", vemos um poeta lírico que segue as regras da escola Romântica; na segunda parte, "do apostolado social", vemos uma poesia revolucionária, voltada para o momento histórico da época e com uma nítida preocupação social; as outras seis partes ("do pensamento pessimista", "do desejo de evasão", "da morte", "do pensamento em Deus", "da metafísica" e "da voz interior e do amor puro, sempiterno") referem-se ao período em que ele retorna para Punta Delgada é atacado pela estranha doença. Nas quatro últimas partes há ainda o predomínio dos temas metafísicos.


Devido a perfeição técnica dos seus sonetos, Antero de Quental é considerado um dos melhores sonetistas portugueses, dividindo esse título apenas com Bocage e Camões.

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